quarta-feira, 27 de junho de 2018

A manifestação da graça de Deus na vida de Jesus - Ismael Couto

A Graça de Deus para com o homem é dos atributos mais maravilhosos que podemos encontrar no Evangelho. É a Graça que nos permite a reconciliação com Deus. O homem está naturalmente longe de Deus e não há nada em seu poder que possa alterar isso. Estaríamos irremediavelmente condenados à separação do Criador se dependêssemos nos nossos méritos. O movimento de Deus em direção ao homem, salvando-o e relacionando-se com ele só é possível por causa da Sua Graça.

A Graça leva Deus a oferecer-nos uma salvação e um reconciliação que não foi conquistada por nós, mas pelo Senhor Jesus Cristo, e porque é de graça que estamos a falar, esta oferta não pode ser paga nem nós de alguma forma poderemos conquistá-la, apenas recebê-la como oferta gratuita.

Conseguimos perceber, portanto, a importância de Deus ser um Deus gracioso no que toca à nossa salvação.

A minha intenção com esta série de artigos é evidenciar que esta graça estava evidente na vida e ministério de Jesus e perceber que implicações tem isto para os Seus seguidores, ou seja, a Igreja.

Uma boa forma de começar é ver um texto que nos relata que, desde pequeno, a graça de Deus estava sobre Jesus.

O texto de Lucas 2:36-40 relata o episódio de quando Jesus se foi apresentar no Templo. Isto acontecia aos 12 anos de idade, e de acordo com a Lei, José e Maria levam o seu filho para o Templo.

Ao lermos no texto que “o menino crescia...” percebemos que este é um dos estágios de desenvolvimento que os Judeus tinham para falar de um menino que já não é criança.[1] Jesus não era jovem ainda e já não era criança.

Outro aspecto importante de realçar neste texto é que não é Jesus que diz isto de si mesmo, mas o narrador do Evangelho que o caracteriza desta forma. O crescimento de Jesus era evidente a todos os que o rodeavam.

Mas de que forma é que Ele crescia? Não se tratava apenas de um crescimento físico, de força, mas de carácter. Em relação ao crescimento físico, lemos que ele se fortalecia. Tendo o verbo crescer no início da frase a ideia é que em todas as áreas seguintes o crescimento era evidente. Jesus crescia e tornava-se forte, mas Ele também crescia em sabedoria.

No caso da Graça que nos fala o final do versículo, o que temos é diferente. O texto não fala num crescimento na Graça, antes, a Graça estava sobre ele, não há crescimento, simplesmente está lá. É o verbo ἦν que tem o significado de ser, estar, que temos no grego do texto. Se é verdade que havia crescimento físico e de carácter no jovem Jesus, a graça de Deus não era um aspecto que estava em crescimento, pura e simplesmente estava sobre Ele. Graça, neste sentido, significa favor de Deus. Deus estava com o Seu Filho. É fácil perceber dois aspectos desta expressão.

Em primeiro lugar, A graça que Jesus tinha não era sua propriamente, mas era a graça de Deus que o acompanhava e que demonstrava a Sua unicidade com Deus. Segundo Mathew Henry, este aspeto marcava uma diferença tremenda entre Jesus e todas as outras crianças.[2]

Em segundo lugar, é esta graça que depois, no Seu ministério, Jesus evidenciará tão claramente com todos os que se relacionarem com Ele. A graça de Deus que estava sobre Ele, é a graça com que Ele se relacionará com o homem.

Segundo alguns autores, há uma relação entre este texto e Isaías 11:1-3. Sendo assim, a graça ou favor de Deus refere-se também à Sua presença efetiva na vida de Jesus através do Seu Espírito.[3] O que é interessante é que em Isaías, nos versículos posteriores, lemos o que engloba este Espírito. É com facilidade que podemos perceber que esta descrição de Isaías retrata bem o que é a Graça de Deus para com o homem. Creio que é demais dizer que quando Lucas escreveu este trecho se estava a referir a Isaías, mas também é evidente que existe uma relação entre ambos os textos. Jesus cumpriu cabalmente a profecia de Isaías 11.

Ismael Couto


[1] Vincent, M. R. Word studies in the New Testament. Vol. 1. New York: Charles Scribner’s Sons, 1887, p. 277.
[2] Henry, M. Matthew Henry’s commentary on the whole Bible: complete and unabridged in one volume (p. 1831). Peabody: Hendrickson, 1994. 
[3] BEALE, G.K., CARSON, D. A. Ed., Commentary on the New Testament use of the Old Testament, Michigan, Baker Academic, 2007.