quarta-feira, 27 de junho de 2018

“Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem.” Lc 23.34 - Pedro Girão

Um conjunto de palavras que ecoou de diferente forma nos ouvidos de todos os seus primeiros ouvintes. Soldados romanos treinados e habituados a execuções com recurso à crucificação estreavam-se como tema de oração por parte do executado. Líderes religiosos hebreus, imaculados aos seus próprios olhos, habituados a ver os outros como carentes de perdão, eram agora alvo de intercessão por parte do impuro “maldito” pendurado no madeiro. A multidão que implorou pela libertação de um culpado em detrimento da crucificação de um inocente, numa coisa concordaria com os soldados, os líderes religiosos, assim como muitos que presentemente leem os Evangelhos: orações intercessoras por perdão precisava o “Rei dos judeus” crucificado.

Jesus, em vez de pedir por si, intercedia por todos aqueles que física, psicológica, emocional e espiritualmente de forma efetiva O maltratavam. O facto de Jesus fazer este pedido ao Pai, mesmo quando nenhum dos contemplados na Sua oração tinha pedido perdão, é um amplificador da grandeza majestática da oração proferida pelo Cristo.

O contraste connosco é gritante. Pedir perdão por quem nos magoou de forma profunda, e grandes cicatrizes nos ofereceu, não é propriamente o pão que em cada dia nos tem alimentado. Infelizmente, os ódios e ressentimentos são alimentados durante demasiado tempo, e eleitos como alimentação gourmet por muitos cristãos que, nesta matéria, não estão a seguir as pisadas de Cristo, e, como resultado, têm usufruído dos sintomas típicos da retenção do perdão.

Um cristão fica sem espaço para ódio e ressentimento, na direta proporção em que dá lugar a que Cristo viva em si e por si: “já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim.” (Gálatas 2.19,20 ARA). Assim como o Mestre ensinou, não é lógico, nem tão pouco normal, que eu, a quem muito, imenso por Ele me foi perdoado, esteja ainda, neste tempo, a reter perdão, em relação a todos aqueles que, em comparação com o que a Cristo fiz, me fizeram tão pouco ou quase nada (Mateus 18.23-35). Até porque, seja o que for que te tenham, ou me tenham feito a mim, a maior ofensa não é contra mim, contra ti, ou contra qualquer outro ser humano, mas é sempre contra o Senhor (Salmo 51.4 ARA).

“Aquela pessoa não merece ser perdoada” é uma das razões recorrentemente invocada como pseudo-atenuante para a não prática do perdão. Neste e noutros assuntos, à vista de cada um sobressai o comportamento do próximo, mas o comportamento impróprio do próprio é relegado para segundo, ou ainda mais distante plano. Habitualmente temos dois pesos e duas medidas: avaliamos os outros com exigência micrométrica e a nós mesmos com um laxismo quilométrico. O Senhor, perfeitamente justo, perdoou-me em Cristo Jesus sem que eu o mereça. Quem sou eu para dizer que o outro não merece? À luz da oração que nos foi ensinada, como é que eu posso ser perdoado se não perdoar o outro (Mateus 6.14-15 ARA)?

Pedro Girão