quinta-feira, 26 de julho de 2018

O discipulado de Jesus nos cura (salvação, perdão, cura emocional, restauração) - Diné Lota

Vimos anteriormente que o discipulado de Jesus gera profundidade nele. O que vamos afirmar a seguir é em decorrência dessa profundidade, maturidade, atuação de Jesus na vida do seu discípulo.

Uma das coisas que o discipulado de Jesus faz na vida do discípulo é promover cura em vários sentidos. Vemos nos evangelhos que muitas foram as vezes em que Jesus curou pessoas que, depois, tornaram-se seus discípulos (outros nem por isso). Em vários momentos vemos que essas curas eram físicas, ou seja, todo o tipo de doenças. Entretanto, em outros momentos a cura é espiritual, tal como foi com a mulher do poço de Samaria, ou com Nicodemos (assim crê este autor). Outras vezes a cura extrapola o físico e vai ao sobrenatural (não que as outras não o sejam). Esta afirmação tem a ver com o facto de que Jesus ressuscitou algumas pessoas – Lázaro, o filho da viúva de Naim e outros. São vários os tipos de curas de Jesus!

Uma delas, a principal, é a cura espiritual. Por cura espiritual este autor entende que seja a salvação da pessoa por meio de Jesus e seus méritos diante de Deus. Este é basicamente o tema central de todo o Novo Testamento, quiçá de toda a Bíblia – o plano de Salvação da humanidade urdido pela Santa Trindade.

No discipulado de Jesus, nem sempre essa cura ocorre no início. Algumas vezes sim, outras não. Jesus leva em consideração a pessoa que está a discipular e o seu próprio tempo. Tomemos como exemplo de uma cura rápida a do endemoninhado gadareno, que, tão logo liberto, quis tornar-se um seguidor de Jesus. No momento do encontro ouve cura espiritual (e outras também). Uma cura espiritual que aconteceu no processo do discipulado de Jesus com essa pessoa, na opinião deste autor, foi a de Nicodemos. É muito possível que este doutor da lei tenha ouvido Jesus falar várias vezes. Ficou curioso e foi ter com Jesus à noite, como podemos ver no relato do Evangelho de João. Ali, Jesus explicou-lhe o plano de salvação de uma maneira que ele pudesse entender. Nicodemos desaparece e só surge mais à frente a defender Jesus no capítulo 7 (v.50). Desaparece novamente vindo a surgir no fim do relato de João (cap. 19), quando o vemos a seguir o grupo que vai sepultar Jesus com um vultoso valor de especiarias para serem usadas na preparação do corpo para o sepultamento. Este autor é levado a crer que Nicodemos se converte nesse processo de discipulado um pouco diferente que Jesus teve com ele. Não no início, mas no seu tempo.

Outra cura que Jesus promove no seu discipulado é o perdão. O exemplo clássico para isso é o da mulher apanhada em flagrante adultério, e levada à presença de Jesus para ser morta por apedrejamento. O perdão de Jesus àquela mulher a curou em todas as esferas da sua vida: salvou-lhe a vida, curou suas feridas emocionais, restaurou sua dignidade, exerceu justiça frente à sua vergonha social.

Outro exemplo de cura no discipulado de Jesus é a restauração. É bem claro que a restauração e todos os outros tipos de curas estão muito interligados, muitas vezes coexistindo. Entretanto este autor faz estas distinções mais por caráter de aprendizado e destaque.

Um bom exemplo de restauração é Zaqueu. Ele era um homem de moral bastante questionável. Era conhecido pela sua desonestidade que, provavelmente, tinha raízes na sua ganância. Ao encontrar-se com Jesus e passar com ele algumas horas, ao ser discipulado por Jesus, foi curado da sua ganância, egoísmo. Prova disso é a devolução de quatro vezes mais do que havia roubado a quem quer tivesse sido sua vítima. E isso de maneira voluntária, sem ser coagido.

Por último, este autor destaca a cura emocional. No discipulado de Jesus o ser humano é visto como um todo, logo, suas emoções também são levadas em consideração. Um dos exemplos que este autor vê como cura emocional é quando Jesus ressuscita Lázaro. A cura de Lázaro não está aqui em questão, mas as das suas duas irmãs, Marta e Maria.

As emoções destas duas mulheres estão destruídas. Para piorar, Jesus não chega no tempo por elas esperado. Percebe-se claramente isso na passagem de João, capítulo 11, pelas reações das duas mulheres frente à chegada de Jesus. Ao ressuscitar Lázaro, Jesus está a curar também Maria e Marta e suas emoções destruídas pela morte, agora restauradas por Jesus e seu discipulado curador.

Muitos mais exemplos poderiam ser dados, não apenas das Escrituras, mas dos livros que narram como os discípulos de são curados de seus males, tanto do corpo quanto da alma, na sua caminhada com Jesus.

Diné Lota

Dois conceitos de Liderança - Armando Alves

A liderança é um valor de autoria Divina. No entanto, tal como nas restantes áreas da nossa vida, o pecado também deturpou, na mente humana, o verdadeiro significado de "líder". 

Um exemplo flagrante desta realidade, e a resposta de Jesus à mesma, podem ser encontrados em Marcos 10:35-45.

As palavras de Jesus apontam-nos de imediato algumas conclusões:

1. Existem fundamentalmente dois conceitos opostos acerca do que significa ser um líder.

2. Tais conceitos devem-se à existência de dois reinos totalmente diferentes e opostos - o Divino e o humano.

3. O conceito humano não tem lugar no Reino de Deus.

4. Quanto maior for a ambição por liderança, menor será a aptidão para a exercer.

5. Ser líder não é um posto ou uma posição, mas sim o desejo de servir, expresso por atitudes e actos concretos.

6. Ser líder não depende do desejo do indivíduo, mas sim da vontade e escolha de Deus, confirmada por outras pessoas e circunstâncias inequívocas, de acordo com os critérios que O Próprio Senhor estabeleceu.

7. O líder torna-se directamente responsável, perante Deus, em primeiro lugar, e depois perante o grupo liderado, pela forma como adquiriu a liderança, bem como pela forma como está a exercê-la.

A Liderança cristã segundo o paradigma Tradicional

O pedido daqueles dois discípulos reflete claramente o conceito humano sobre o que significa “ser líder”. Na Bíblia, não encontramos a palavra “líder” para descrever o conceito de liderança. Assim, neste texto Jesus não usa um “rótulo”, antes prefere denunciar diretamente a essência da questão. Ele diz que, do ponto de vista humano, ser líder significa “desejar tornar-se grande”, “desejar ser o primeiro”. Depois, Jesus esclarece que no Reino de Deus, ser líder significa “servir com um espírito de servo”; não apenas servir, mas também ter um espírito de servo. E Ele coloca-se a Si Mesmo como exemplo. Não nos é oportuno desenvolver aqui esta ideia, mas importa, isso sim, vermos com bastante pesar que, na Igreja Cristã em geral, ao longo dos séculos, e nas Igrejas Evangélicas em particular, a busca por liderança tem-se regido, inúmeras vezes, segundo o espírito do mundo, originando por isso inúmeros problemas e cisões. 

Por outro lado, a Reforma revelou-se passiva em relação ao tema, e a Igreja Evangélica, em geral, não tem demonstrado preocupação suficientemente forte para quebrar a influência da tradição do catolicismo romano, na práxis de uma estrutura hierárquica de liderança elitista, onde se continua a pensar em “líderes”, por oposição a “leigos”. No nosso caso como Baptistas, o fenómeno é um pouco diferente… Teologicamente posicionamo-nos claramente como defensores do “sacerdócio de todos os santos”, mas a nossa teologia prática e a nossa filosofia ministerial também não demonstram, na prática, qualquer alteração. Embora não pareça, este facto constitui um dos problemas fulcrais na falta de crescimento da Igreja Baptista em Portugal. 

Nos próximos artigos iremos analisar a relação existente entre “liderança” e “discipulado”, e como isso afecta a Missão da Igreja e o Reino de Deus.

Armando Alves

Graça na vida de Jesus - Ismael Couto

A Graça de Deus tornou-se evidente na vida de Jesus. Sendo Jesus Deus, faz todo o sentido que esta seria uma característica clara n’Ele, na sua vida e ministério. Jesus encarnado tornou visível, quase palpável, a Graça de Deus. Em Lucas 2:36-40 vemos que, mesmo ainda em tenra idade, o narrador do Evangelho representa Jesus como alguém sobre o qual estava de forma total, não em evolução, a graça de Deus. Existem outros textos que nos mostram o testemunho de terceiros em relação à vida Jesus como sendo cheia de demonstração da graça de Deus. Textos como Lucas 4:22 e João 1:14-17 são prova que Jesus tornou palpável e compreensível a graça de Deus a todo aquele que cresse. É Jesus quem torna comunicável este atributo divino ao homem através da Sua encarnação.

No entanto, a Graça de Deus não foi apenas verificada pelos testemunhos de observadores ou discípulos, mas é claramente comprovada pela vida e ministério de Jesus ao lermos os relatos dos evangelhos.

O primeiro texto que creio ser de importância neste assunto está em Marcos 6:30-44. Esta é a primeira vez que Jesus faz o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes e é, ao mesmo tempo, uma clara demonstração da graça comum no ministério de Cristo.

A graça comum é a que toca em todos os seres humanos. Existem aspetos da graça de Deus que abençoam tanto crentes quanto descrentes, fiéis quanto infiéis, tanto os que buscam a Deus quanto os que O rejeitam. A chuva, o oxigénio, o sol, a saúde, a inteligência, etc. são algumas dentre muitas das bênçãos derramadas por Deus sobre todos.

No texto em causa, Jesus trata de um problema de “logística” que se torna evidente quando se percebe que a multidão que seguia a Jesus não tinha o que comer.

Certamente que, neste grupo de cinco mil homens, alguns, para não dizer a sua maioria, seguiam a Jesus pela Sua popularidade, pela novidade e não por querer obedecê-lo. Mesmo assim, Jesus quando multiplica o pão e os peixes, não faz distinção. Aliás, quando lemos o texto, é tão clara a graça comum que nem é mencionado o facto de que nem todos estavam ali pelas razões certas. O propósito do texto é mostrar a graça de Deus alimentando a multidão.

O segundo texto que vale a pena ver é Mateus 9:1-8. A graça habilitadora é o que gostaria de realçar neste texto. Bem sei que poderia escolher muitos outros textos que demonstrassem que na vida e ministério de Jesus este tipo de graça é visível. Esse facto apenas serve de consolo para percebermos a maravilhosa graça de Deus em relação a nós, como é generosa, como trata o homem de forma holística e como é abundante e variada.

No texto em questão, percebemos que a cura que aconteceu não é contra do que Jesus queria fazer. Jesus cura este homem para comprovar a sua mensagem e o Seu poder a todos quantos murmuravam ao presenciar este episódio.

Jesus afirma que os pecados deste homem estão perdoados, mas nem todas as pessoas crêem no que estão a ver. Então, para demonstrar que Ele pode perdoar pecados, Jesus cura este homem. Ficam, então, todos convencidos do poder de Jesus ao presenciar este ato sobrenatural visível. No fundo, este texto está dentro do padrão que é-nos dado pelos Evangelhos, no que diz respeito ao relacionamento de Jesus com os ministérios de misericórdia.

A cura física não é assunto central. Apesar de importante, a cura física visa sempre confirmar a messianidade de Jesus, o Seu poder para salvar ou a veracidade da Sua mensagem. No entanto, tal como Deus tem poder para curar e cura sempre que assim deseja, Jesus vive essa realidade de forma cabal no Seu ministério. A graça habilitadora é sinal do amor de Deus pelo homem, não só pelo espírito, mas também pelo corpo.

A terceira faceta da Graça de Deus demonstrada na vida de Jesus é a Graça salvadora. Vamos continuar em Mateus 9:1-8, porque a riqueza do texto assim o permite.

Como foi dito acima, o propósito primordial de Jesus ao tratar este paralítico não era a sua cura física, mas a sua salvação. Ao contrário da graça comum, a graça salvadora não é oferecida a todos, mas apenas aos que creem. Será que este paralítico cria em Jesus? Não há, no relato bíblico, palavra nenhuma da sua parte que nos demonstre isso.

Este paralítico estava a buscar profundamente Jesus e cria no poder de Jesus. Esta afirmação encontra respaldo no facto de que para alguém pedir a amigos para o levarem para o meio de uma multidão, de tal forma que não podendo passar, descem-no pelo telhado de uma casa, é porque este encontro com Jesus é importante. Não deve sequer entrar na nossa cogitação que este paralítico tenha sido levado para ali contra a sua vontade. O mais provável é que tudo tenha sido proposto e pedido por ele aos seus amigos.

A segunda razão que nos mostra a crença deste homem no Senhor Jesus é que quando ele chega ao pé de Jesus, é o próprio Jesus que lhes atesta a fé e assim declara perdão dos seus pecados. Nesta altura o paralítico poderia sentir-se defraudado por continuar paralítico, mas quem reage negativamente são os escribas. Podemos até especular e dizer que se os escribas não tivessem duvidado, talvez o homem tivesse continuado paralítico, no entanto, perdoado dos seus pecados.

O que tentei demonstrar é que a Graça de Deus é clara no ministério ativo de Jesus nas suas três áreas principais: Graça comum, Graça habilitadora e graça salvadora.

Jesus tornou visível o Deus da graça para que a graça de Deus tocasse o homem.

Ismael Couto

Shemá é ter Deus como único Senhor - Mário Conrado

Quando era miúdo, tinha a ideia de que o chilrear das aves era sinal de Primavera. Há alguns meses atrás, enquanto caminhava pela fresquinha, sentindo um frio de rachar, em Tondela, mas com um céu radiante, ouvi o chilrear de várias aves, junto a uma quinta por onde passei, e lembrei-me da promessa de Deus de querer ser nosso Deus, em todos os momentos. Deus é nosso Deus, seja na primavera, seja no Inverno. Nada nos separa do Seu amor, nem chuva, nem temporal. Por isso pergunto… que conceito temos nós de Deus? É que uma visão medíocre de Deus leva a uma vida medíocre. Ao tratarmos Deus superficialmente, isso tornar-nos-á superficiais. Mas se tivermos com Deus, o mais profundo temor, amando-O com todo o nosso ser, estar e viver, iremos ver quão profundamente as raízes da nossa vida espiritual irão crescer.

Vale a pena ter um Deus que verdadeiramente é Senhor. Jesus, ao lembrar o Shemá, conduz o escriba a lembrar como Deus, o Senhor, tomou a iniciativa de libertar o povo, da escravidão do Egipto. Como chamou Moisés para liderar o povo, e tomou a iniciativa de o acompanhar, tornando-se assim, um companheiro de lutas. Para o povo, sozinho, o deserto apresentava um horizonte distante e impossível de atravessar. Mas Deus, tornou-se um oásis em todo o caminhar. Deus é soberano, não para oprimir, mas para libertar. Deus é soberano, não para se exibir, mas para usar o seu poder para salvar.

Por isso Jesus apresenta o grande mandamento como uma ordem para amar a Deus, pois somente Ele é merecedor desse amor e de obediência do seu povo. Como lembram Beale e Carson, o Shemá apela a Israel “para que ame Yahweh com todo o ser, sem reservas e acima de todas as outras coisas, ainda que até à morte.”[1]  Da mesma forma como Israel, Jesus demonstra que ainda hoje este Shemá é válido e importante. É um amar a Deus de forma total e relacional. Mais tarde iremos perceber que este amor é responsivo ao amor incondicional do Pai que enviou o seu Filho, o Messias, para dar a Sua vida para nos resgatar e adoptar como filhos para Si. Então foi um amor visível, relacional e total, pois nada nos separa desse amor.

Dentro desta ordem de amar a Deus há um claro reconhecimento, uma clara confissão, de que este Deus é o único Senhor (Dt 6.4). Isto era importante para os judeus, fazia parte da sua confissão, do seu credo; aliás, “recitar o Shemá era tomar sobre si o jugo do Reino do céu.”[2] Desta forma Jesus lembra a profunda verdade sobre a unidade e singularidade de Deus, e isto é importante num contexto de alguma influência helenística onde o politeísmo era uma questão mais viva do que no contexto judaico. Como lembra Mulholland, este Senhor é o “Deus pessoal que se revelou e, em amor estabeleceu uma aliança com seu povo, selando-a com seu próprio nome.”[3]

Assim este Shemá deveria ser vivido e ensinado, pois desta forma, todos eram ensinados a buscar este Deus da Aliança, por causa do que Ele é, e procurando em tudo Lhe obedecer. Embora, como Jesus o demonstre, seja uma ordem, deve ser levado com sinceridade de coração, pois Deus nos amou primeiro, tendo libertado o seu povo. Então devo amá-Lo porque Ele é Senhor. Mas voltamos à pergunta atrás… que conceito temos deste Deus?

O povo começou a ritualizar o Shemá, reduzindo a Deus a um senhor por vezes tirano, que acorda mal disposto, e que aceita qualquer coisa desde que se cumpra com os rituais. E nós hoje? Esquecemo-nos que sendo Ele Senhor, devo amá-Lo com toda a minha mente, emoções e as minhas acções, pois Ele assim fez connosco, amando-nos de forma bem visível, na cruz.

Sendo Deus o único Senhor, possamos permitir que seja em tudo nosso Senhor - não importam os desertos, nem as montanhas, nem os mares, de qualquer natureza, geológicos, emocionais, financeiros ou espirituais.

Mário Conrado



[1]   Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 271.
[2] Ibid. p. 272.
[3] Marcos: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 128.

domingo, 22 de julho de 2018

A singularidade de Jesus. Cristianismo a sério - Eduardo Melo

Na Europa de hoje, ser-se cristão é, na maioria das vezes, ou uma questão cultural, ou tradicional. Pouquíssimos entendem ou conhecem o papel único que Cristo tem no Novo Testamento e na composição da fé cristã. Para muitos Jesus é algo que se compara facilmente com Maomé, Buda ou outro “caminho” religioso qualquer. Um entre muitos outros.

Olhando e ouvindo as pessoas que vivem à nossa volta a fé cristã parece ser mero adereço, algo que se diz ser parte, mas que, na realidade, não se vive, nem se experimenta.  Não vou discutir as razões deste panorama, mas o certo é que um muçulmano sabe mais de Maomé e do Corão do que um português do “seu” cristianismo. O pior é que a pessoa e obra de Cristo são simplesmente ignoradas. Que é Filho de Deus, e de Maria, isso sabem, mas o seu papel redentor não é significativo para eles, pois têm em Maria e na doutrina e prática tradicionais da Igreja Católica Romana o amparo que acham ser suficiente para se salvarem. Para garantir tal criaram mecanismos humanos para salvaguardar o seu destino pós-morte.

Não é isso que o Novo Testamento propõe. Mesmo todos tendo a noção de a Bíblia ser “Palavra do Senhor”, de que Jesus morreu na cruz, ou que Deus busca o homem, a maioria reduziu o seu conhecimento de Cristo a menções apropriadas a funerais e casamentos e, no demais, recitada repetitivamente nos intervalos de uma liturgia regular. Pessoalmente não há nenhuma experiência com Cristo e o Espírito Santo, para eles, não é real.

Jesus quando se apresentava ante as pessoas que o ouviam, dizia de si mesmo ser a Luz, a Verdade, O Caminho, ou a Porta. Afirmava perentoriamente que ninguém ia ao Pai, sem ser por ele e, quando a Bíblia afirma que “Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu único Filho” para que o homem pudesse ser salvo, tal, hoje não é apropriado maioritariamente pelas pessoas que se afirmam cristãs. A Bíblia não faz só a afirmação de que Jesus é o único intermediário entre Deus e o homem, mas que ele é também, de forma singular e única, o que providencia a salvação. Não há outra possibilidade, a sua morte na cruz é única e é completamente suficiente. Ali se cumpre a totalidade do que é necessário para se ser salvo. Ele é o único que morre, que sofre a cruz, que verte o seu sangue pelos pecadores, que ressuscita e está à dextra de Deus em nosso favor e, ninguém, absolutamente ninguém mais o faz. Só ele.

É nisto que está a singularidade de Jesus, por isso caminhos travessos ou o ir-se de viés em crenças falsas, sejam direcionadas a instituições, igrejas, comunidades religiosas, ou a Maria e às boas obras pessoais, a sacrifícios ou penitências, nada, nada mesmo, pode ser colocado no seu lugar. Ele sofreu sozinho na Cruz e padeceu atrozmente, sem a ajuda de ninguém, pelo pecado de cada um de nós, a ponto de dizer ao Pai “porque me desamparaste?” Não foi queixa, foi dor por nós. É ali naquele instante que a singularidade de Jesus se firma e solidifica. Nada podemos fazer para mudar isto. Só ele.

Provas? É só ler com muita atenção e discernir o que os capítulos 1 e 2 de Colossenses nos dizem. Por exemplo, é-nos revelado que:

É nele que “temos a redenção, isto é, o perdão dos pecados” 1:14, portanto só por ele há perdão.

É Jesus “o pleno conhecimento do mistério de Deus” (Cl 2:2b), ou seja, Cristo, o Messias, é o Filho amado (1:13), a imagem do Deus invisível (1:15) e “o primogénito sobre toda a criação”. Tudo foi criado nele, e para ele, e por ele. Em suma, todas as profecias e plano de Deus para a salvação do homem têm uma única convergência e esta é Jesus.

Por isso:

É nele que temos de “andar, arraigados e edificados nele (Cl 2:6-7).

É em nome de Jesus que oramos, que vamos ao Pai, e que intercede por nós, não havendo outros intermediários.

É em nome de Jesus Cristo que se expulsam demónios e é ele quem os despoja do seu poder e derrota na cruz, onde os expôs em triunfo sobre eles” (Cl 15).

É em nome de Jesus Cristo, o nazareno, que se cura (At.3:6b e 16a).

É Jesus quem nos “circuncida”, não numa marca étnica, por mãos humanas, num deitar fora de uma carne tida por inútil (de pecado), marca eterna, no baptismo, quando afirmamos nos ter despojado da carne do pecado e de sua escravidão.

É a ele que “anunciamos, aconselhando e ensinando todo o homem com sabedoria, para que apresentemos todo o homem perfeito em Cristo”.

E já agora é nele que “habita corporalmente TODA a plenitude da divindade” (Cl 29) e a ele se submetem os demónios, sejam principados, sejam potestades.

Nele estão ocultos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Cl 2:3). É ele, e só ele, quem está no centro de minha fé, tendo de estar no centro de minha prática, num estilo de vida condizente com a fé que afirmo ter. É fé a sério, não só afirmada verbalmente, culturalmente, mas fé mostrada e vista por Deus e pelos homens. Assim tornarei Cristo realidade singular a quem me cerca e com quem convivo.


Eduardo de Melo

Teologia da Parceria. A unidade na simultaneidade - Carlos Martinez

Unidade é a palavra mais utilizada por organizações seculares ou religiosas ao momento de levar adiante suas atividades. É o alvo a alcançar, e sua falta é responsabilizada pelos fracassos. A diversidade de caracteres, ideias e métodos de trabalho demanda um fio condutor, um elemento externo que sirva como um farol em meio à tempestade.

A unidade pode ser exemplificada através da harmonia musical. Esta harmonia indica a concordância ou combinação de vários sons simultâneos ou de acordes que são agradáveis ao ouvido. A harmonia é o pilar principal para compôr a base de uma música, e desta forma possibilita ao músico variar entre diferentes sonoridades. Uma música pode soar mais triste e melancólica ou alegre e tranquilizante graças à harmonia dos acordes presentes na música.

Na oração no evangelho de João, capítulo 17, Jesus estabelece o elemento central unificador da Missio Dei. Qual é a base para a verdadeira unidade entre os cristãos? A pessoa e a obra de Jesus Cristo e sua glória (João 17:2-5). Ele já deu sua glória aos seus seguidores e promete que experimentarão ainda mais dessa glória quando cheguem ao céu. Conhecer ao Filho, e através dEle ao Pai, é o início da vida eterna. Este conhecimento leva aos crentes a acreditar e guardar a Palavra revelada, o que resulta na busca de honrar o mandado de Cristo e assim glorificar a Deus e a Jesus Cristo. O mandado é fazer conhecer a glória do Pai em Cristo ao mundo, é isso só é possível na vivência em unidade da igreja, o conjunto de crentes. Esta unidade não é externa simplesmente. É uma unidade espiritual, inspirada na unidade eterna existente entre o Pai e o Filho. E justamente essa unidade entre as pessoas da Trindade é o alicerce da harmonia entre os crentes. Somente aqueles que nasceram de novo, de Deus e de Jesus, são espiritualmente um e podem oferecer um testemunho unido ao mundo.

O propósito da unidade é, nas palavras de Jesus, “para que o mundo creia que tu me enviaste”. Uma das coisas que mais impressionam o mundo é a maneira como os cristãos amam uns aos outros e vivem em harmonia. O mundo perdido não é capaz de ver Deus, mas pode ver os cristãos. Aquilo que o mundo enxergar nos crentes servirá de base para suas convicções acerca de Deus. Se enxergar amor e harmonia, crerá que Deus é amor. Se enxergar ódio e divisão, rejeitará a mensagem do evangelho.

O resultado da unidade é que permite a simultaneidade do trabalho missionário. As igrejas, pequenas e grandes, são cientes de que a razão da sua existência é glorificar a Deus através da pregação do evangelho, é juntam os seus recursos humanos e financeiros para cumprir a sua missão, em diferentes lugares, culturas e realidades. Uma missão em unidade e em simultâneo.


Carlos Martinez