quinta-feira, 26 de julho de 2018

Shemá é ter Deus como único Senhor - Mário Conrado

Quando era miúdo, tinha a ideia de que o chilrear das aves era sinal de Primavera. Há alguns meses atrás, enquanto caminhava pela fresquinha, sentindo um frio de rachar, em Tondela, mas com um céu radiante, ouvi o chilrear de várias aves, junto a uma quinta por onde passei, e lembrei-me da promessa de Deus de querer ser nosso Deus, em todos os momentos. Deus é nosso Deus, seja na primavera, seja no Inverno. Nada nos separa do Seu amor, nem chuva, nem temporal. Por isso pergunto… que conceito temos nós de Deus? É que uma visão medíocre de Deus leva a uma vida medíocre. Ao tratarmos Deus superficialmente, isso tornar-nos-á superficiais. Mas se tivermos com Deus, o mais profundo temor, amando-O com todo o nosso ser, estar e viver, iremos ver quão profundamente as raízes da nossa vida espiritual irão crescer.

Vale a pena ter um Deus que verdadeiramente é Senhor. Jesus, ao lembrar o Shemá, conduz o escriba a lembrar como Deus, o Senhor, tomou a iniciativa de libertar o povo, da escravidão do Egipto. Como chamou Moisés para liderar o povo, e tomou a iniciativa de o acompanhar, tornando-se assim, um companheiro de lutas. Para o povo, sozinho, o deserto apresentava um horizonte distante e impossível de atravessar. Mas Deus, tornou-se um oásis em todo o caminhar. Deus é soberano, não para oprimir, mas para libertar. Deus é soberano, não para se exibir, mas para usar o seu poder para salvar.

Por isso Jesus apresenta o grande mandamento como uma ordem para amar a Deus, pois somente Ele é merecedor desse amor e de obediência do seu povo. Como lembram Beale e Carson, o Shemá apela a Israel “para que ame Yahweh com todo o ser, sem reservas e acima de todas as outras coisas, ainda que até à morte.”[1]  Da mesma forma como Israel, Jesus demonstra que ainda hoje este Shemá é válido e importante. É um amar a Deus de forma total e relacional. Mais tarde iremos perceber que este amor é responsivo ao amor incondicional do Pai que enviou o seu Filho, o Messias, para dar a Sua vida para nos resgatar e adoptar como filhos para Si. Então foi um amor visível, relacional e total, pois nada nos separa desse amor.

Dentro desta ordem de amar a Deus há um claro reconhecimento, uma clara confissão, de que este Deus é o único Senhor (Dt 6.4). Isto era importante para os judeus, fazia parte da sua confissão, do seu credo; aliás, “recitar o Shemá era tomar sobre si o jugo do Reino do céu.”[2] Desta forma Jesus lembra a profunda verdade sobre a unidade e singularidade de Deus, e isto é importante num contexto de alguma influência helenística onde o politeísmo era uma questão mais viva do que no contexto judaico. Como lembra Mulholland, este Senhor é o “Deus pessoal que se revelou e, em amor estabeleceu uma aliança com seu povo, selando-a com seu próprio nome.”[3]

Assim este Shemá deveria ser vivido e ensinado, pois desta forma, todos eram ensinados a buscar este Deus da Aliança, por causa do que Ele é, e procurando em tudo Lhe obedecer. Embora, como Jesus o demonstre, seja uma ordem, deve ser levado com sinceridade de coração, pois Deus nos amou primeiro, tendo libertado o seu povo. Então devo amá-Lo porque Ele é Senhor. Mas voltamos à pergunta atrás… que conceito temos deste Deus?

O povo começou a ritualizar o Shemá, reduzindo a Deus a um senhor por vezes tirano, que acorda mal disposto, e que aceita qualquer coisa desde que se cumpra com os rituais. E nós hoje? Esquecemo-nos que sendo Ele Senhor, devo amá-Lo com toda a minha mente, emoções e as minhas acções, pois Ele assim fez connosco, amando-nos de forma bem visível, na cruz.

Sendo Deus o único Senhor, possamos permitir que seja em tudo nosso Senhor - não importam os desertos, nem as montanhas, nem os mares, de qualquer natureza, geológicos, emocionais, financeiros ou espirituais.

Mário Conrado



[1]   Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 271.
[2] Ibid. p. 272.
[3] Marcos: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 128.