Quando era miúdo, tinha
a ideia de que o chilrear das aves era sinal de Primavera. Há alguns meses
atrás, enquanto caminhava pela fresquinha, sentindo um frio de rachar, em
Tondela, mas com um céu radiante, ouvi o chilrear de várias aves, junto a uma
quinta por onde passei, e lembrei-me da promessa de Deus de querer ser nosso
Deus, em todos os momentos. Deus é nosso Deus, seja na primavera, seja no
Inverno. Nada nos separa do Seu amor, nem chuva, nem temporal. Por isso
pergunto… que conceito temos nós de Deus? É que uma visão medíocre de Deus leva
a uma vida medíocre. Ao tratarmos Deus superficialmente, isso tornar-nos-á
superficiais. Mas se tivermos com Deus, o mais profundo temor, amando-O com
todo o nosso ser, estar e viver, iremos ver quão profundamente as raízes da
nossa vida espiritual irão crescer.
Vale a pena ter um Deus
que verdadeiramente é Senhor. Jesus, ao lembrar o Shemá, conduz o escriba a
lembrar como Deus, o Senhor, tomou a iniciativa de libertar o povo, da
escravidão do Egipto. Como chamou Moisés para liderar o povo, e tomou a
iniciativa de o acompanhar, tornando-se assim, um companheiro de lutas. Para o
povo, sozinho, o deserto apresentava um horizonte distante e impossível de
atravessar. Mas Deus, tornou-se um oásis em todo o caminhar. Deus é soberano,
não para oprimir, mas para libertar. Deus é soberano, não para se exibir, mas
para usar o seu poder para salvar.
Por isso Jesus apresenta
o grande mandamento como uma ordem para amar a Deus, pois somente Ele é
merecedor desse amor e de obediência do seu povo. Como lembram Beale e Carson,
o Shemá apela a Israel “para que ame Yahweh com todo o ser, sem reservas e
acima de todas as outras coisas, ainda que até à morte.”[1] Da mesma forma como Israel, Jesus demonstra
que ainda hoje este Shemá é válido e importante. É um amar a Deus de forma
total e relacional. Mais tarde iremos perceber que este amor é responsivo ao
amor incondicional do Pai que enviou o seu Filho, o Messias, para dar a Sua
vida para nos resgatar e adoptar como filhos para Si. Então foi um amor
visível, relacional e total, pois nada nos separa desse amor.
Dentro desta ordem de
amar a Deus há um claro reconhecimento, uma clara confissão, de que este Deus é
o único Senhor (Dt 6.4). Isto era importante para os judeus, fazia parte da sua
confissão, do seu credo; aliás, “recitar o Shemá era tomar sobre si o jugo do
Reino do céu.”[2]
Desta forma Jesus lembra a profunda verdade sobre a unidade e singularidade de
Deus, e isto é importante num contexto de alguma influência helenística onde o
politeísmo era uma questão mais viva do que no contexto judaico. Como lembra
Mulholland, este Senhor é o “Deus pessoal que se revelou e, em amor estabeleceu
uma aliança com seu povo, selando-a com seu próprio nome.”[3]
Assim este Shemá deveria
ser vivido e ensinado, pois desta forma, todos eram ensinados a buscar este
Deus da Aliança, por causa do que Ele é, e procurando em tudo Lhe obedecer.
Embora, como Jesus o demonstre, seja uma ordem, deve ser levado com sinceridade
de coração, pois Deus nos amou primeiro, tendo libertado o seu povo. Então devo
amá-Lo porque Ele é Senhor. Mas voltamos à pergunta atrás… que conceito temos
deste Deus?
O povo começou a
ritualizar o Shemá, reduzindo a Deus a um senhor por vezes tirano, que acorda
mal disposto, e que aceita qualquer coisa desde que se cumpra com os rituais. E
nós hoje? Esquecemo-nos que sendo Ele Senhor, devo amá-Lo com toda a minha
mente, emoções e as minhas acções, pois Ele assim fez connosco, amando-nos de
forma bem visível, na cruz.
Sendo Deus o único
Senhor, possamos permitir que seja em tudo nosso Senhor - não importam os
desertos, nem as montanhas, nem os mares, de qualquer natureza, geológicos,
emocionais, financeiros ou espirituais.
Mário Conrado