Todos sentimos
as exigências de uma sociedade que procura a cada momento que estejamos
ligados, em atividade constante, impondo um ritmo de vida cada vez mais
esgotante. Olhando para o ministério de Jesus, poderíamos dizer que não é assim
tão diferente deste ritmo frenético. Ensinando as multidões, os discípulos,
fariseus e escribas; curando os doentes, impondo as mãos, tocando as suas
vestes; discutindo acerca da interpretação correta da lei; operando milagres, a
multiplicação dos pães e peixes; enviando os discípulos em missão, sendo alvo
da incredulidade dos seus conterrâneos e dos próprios discípulos… Azáfama!!
Estafa!! Roda-viva!!
Em Marcos 7:24
vemos que o Senhor buscou refúgio, recolhimento, buscou descanso em terras de
Tiro e Sidom. Tiro e Sidom faziam parte da região da Siro-Fenícia, um
território à margem do Mediterrâneo que permaneceu quase sempre independente do
governo judaico, grego ou assírio. Terras gentílicas… Jesus foi fortalecer-se
longe do assédio dos seus compatriotas, das suas necessidades, longe da fama
que possuía. Buscou o anonimato, mas sem sucesso.
A continuação do texto (Mc
7:25-30) relata-nos mais um dos seus encontros. A mulher descrita pelas
Escrituras era grega, de origem siro-fenícia e tinha uma filha endemoninhada.
Ela sendo conhecedora da fama de Jesus e amando a sua filha, procura o Mestre
depositando n’Ele uma nova esperança para o seu problema. O amor leva-a a
importunar Jesus. Diante d’Ele a mulher presta a sua reverência e roga pela
cura. Jesus responde ao seu pedido com o versículo 27. A palavra que Jesus usa
para descrever os gentios tem sido alvo de algumas traduções, tais como:
“cachorrinhos”, “filhotes” ou ainda por “animais de estimação”. A ilustração de
Jesus é clara. Ele faz uma referência à prioridade temporal no seu ministério
aos judeus, que são considerados filhos por causa da aliança que Deus fez com
Abraão. É interessante ver o texto paralelo em Mt 15:21-28. O verso 24 refere
esta mesma ideia, que a missão de Jesus era pregar as boas novas “às ovelhas
perdidas da casa de Israel”. O que quer isto dizer? Que Jesus terá tido uma
atitude xenófoba para com esta mulher gentia? Como estrangeira ela não
desfrutava de todos os direitos civis e religiosos de um israelita. A lei de
Moisés defendia os direitos dos estrangeiros entre o povo de Israel. Todo
israelita tinha o dever de os tratar com a devida hospitalidade, defendê-los,
ajudá-los e até mesmo amá-los, já que Israel também havia sido estrangeiro no
Egipto (Dt 10:18; 24:14,19). Jesus não trata a mulher de acordo com a
presunçosa superioridade da maioria dos judeus. Ele está a fazer lembrar à
mulher que existe prioridade na bênção aos judeus, mas que existe um lugar para
os gentios também no reino.
A resposta da
mulher a Jesus é de uma inteligência, poder de argumentação e fé
impressionantes. O amor que ela tinha pela sua filha, o reconhecimento de que a
sua condição diante de um mestre judeu era de desvantagem e o entendimento da
sua posição diante de Jesus (trata-O por Senhor), exemplificadas nas suas
palavras, levam Jesus a reconhecer o tamanho da fé desta mulher. Ela obteve a
atenção do Mestre. E não só a obteve como foi alvo de tamanha misericórdia ao
ver a sua filha liberta do espírito imundo que a dominava. O poder de Jesus é
manifesto na cura da menina apesar da distância, a fé desta mulher a moveu e
moveu Jesus.
Jesus tinha
dado de comer às multidões, tinha alimentado com o seu ensino, tinha instruído
na fé os seus discípulos, tinha-se doado em prol do seu povo. Mas é no encontro
com a fé de uma gentia que pouco ou nada conhecia da lei, das promessas de
Deus, que Ele encontra fé. Esta mulher não tinha a arrogância de esperar pão,
ela desejava unicamente as migalhas da misericórdia de Jesus. Que tamanho têm
as misericórdias de Jesus que mesmo à distância operam milagres! Que santa
perturbação de descanso! Que bálsamo para Jesus terá sido este encontro. Um
ministério que estava a precisar de uma pausa, no ritmo alucinante e
desgastante das necessidades do Seu povo é interrompido pelo aroma agradável de
alguém que entende que as sobras das bênçãos de Deus dão para fartar a sua
vida.
Inês
Gandaio