O episódio em que Jesus lava os pés aos Seus discípulos
na Última Ceia é provavelmente um dos episódios mais chocantes e mais
inspiradores de toda a Bíblia.
A tarefa em si, tão comum e necessária mas tão
desprestigiante que nenhum judeu a faria, estava reservada aos escravos, só que
naquele dia não havia ali nenhum e todos os discípulos escolheram ignorar esse
facto, com a esperança que Jesus não mencionasse essa falha da parte deles.
Mas Jesus reparou nessa falha, só que viu uma
oportunidade de ouro para demonstrar de forma prática que “o Filho do Homem não
veio para ser servido mas para servir” (Marcos 10:45 ARA) e para que eles entendessem de uma vez por
todas que os padrões de liderança e autoridade do mundo não são os do Seu
Reino, mas que “quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos
sirva” (Marcos 10:43 ARA).
A abordagem daquela época (e dos nossos dias
também!) à posição social, é de que o objetivo é chegar ao topo e lá
permanecer. Jesus no entanto, que já era rabi, mestre e professor, rebaixa-se
subitamente, literalmente até ao chão, e assume a condição de escravo, invertendo
toda a ordem social.[1]
E o que é interessante é que Ele fá-lo sem que isso afete a Sua identidade!
Antes e depois do episódio da lavagem dos pés,
a Bíblia diz-nos claramente que Jesus sabia perfeitamente quem era, e queria
que os discípulos também o soubessem, porque a grande lição estava dependente
disso. Se Jesus fosse o menor de entre eles, então a lavagem dos pés perdia
todo o impacto e ensino nela contido.
Antes de Jesus se levantar da mesa, temos a
oportunidade de “ver” a sua mente e o que vemos é que Ele sabia de onde vinha,
para onde ia, e toda a autoridade que o Pai Lhe tinha conferido. Ao tomar de
volta o lugar na mesa, Jesus faz questão de se afirmar como O Mestre e O
Senhor, não um mestre qualquer, não um senhor qualquer, mas O único e supremo.
E nisto estava a principal lição: se Ele era o
maior naquela mesa, se Ele era quem Ele afirmava ser, quem os discípulos criam
que Ele era, e ainda assim se rebaixou e os serviu daquela forma, que desculpa
eles poderiam usar para não o fazer? “Se eu sendo o Senhor e o Mestre vos lavei
os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros” (João 13:14).
Só alguém seguro da sua identidade, como Jesus
era, pode se colocar sem qualquer problema numa posição de servo perante os
outros, pois sabe que isso em nada o diminui ou mina a sua autoridade. Diria
até que essa atitude de serviço, essa liderança pelo serviço, é de facto a
prova que sabemos que não somos senhores de nada, que nenhuma autoridade que
nos foi dada é nossa por inerência ou merecimento, mas graça Daquele que tudo
nos dá.
Miguel Jerónimo