quarta-feira, 20 de junho de 2018

Humildade e Serviço - António Bento

O cenáculo estava preparado (Mc 14.15). A mesa estava posta e a refeição estava pronta, tal como Jesus ordenara aos seus discípulos. Tudo estava a postos para a celebração da Páscoa (Mt 26.17-19). Então, chegou o momento de se sentarem à mesa. Mas desta vez, aquele que era o “homem da mesa aberta”, que intencionalmente fazia da mesa espaço de inclusão, escolheu compartilhar esta refeição, em particular, exclusivamente com “os doze” (Mt 26.20), aqueles que lhe eram mais próximos, mais íntimos, os homens com quem havia investido três anos da sua vida e ministério. Celebrar a Páscoa era celebrar a presença e o poder de Deus sobre o seu povo eleito e nada melhor para tal comemoração do que a companhia daqueles a quem Ele mesmo tinha escolhido.

É então que, chegada a hora, pôs-se à mesa com os doze apóstolos e celebrou a ceia. Mas esta ceia era muito mais do que uma refeição, muito mais do que comida ou bebida e até mesmo muito mais do que a mera celebração da Páscoa, com todo o simbolismo histórico e teológico que esta envolvia. Era um momento de revelação e ensino sobre humildade e serviço. Esta era a última ceia que Jesus tomaria com os seus discípulos mais próximos, mas não era um momento de tristeza. De todo. Era um momento de celebração, olhando para trás, comemorando a libertação do Egipto, mas, sobretudo, olhando para a frente, por um lado, para o banquete messiânico prometido, em Isaías 25, para o Reino de Deus que estava prestes a cumprir-se (Lc 22.16) e, por outro, para o dia seguinte, para a cruz, para o corpo de Jesus que seria dado por nós na cruz e o sangue de Jesus que iria ser derramado para remissão dos nossos pecados, simbolizados no partir do pão e no partilhar do vinho. Era esta a revelação e ensino que Jesus lhes trazia, que ao comer o pão e beber o vinho celebrariam o princípio e o símbolo de uma nova criação.

Mas, drama dos dramas, os apóstolos não entenderam a relevância do que estava a acontecer e, alheados, discutiam quem seria o maior no Reino dos céus. Jesus, pacientemente, mostra que o maior não é o que é servido, mas o que, humildemente, serve os outros (Lc 22.24-30). E como palavras parecem não bastar, Jesus cinge-se de uma toalha e mostra, in loco, o que é humildade e serviço, lavando os pés aos discípulos. Ele que era mestre, se fez servo, que era Senhor, se fez como um escravo e “aniquilou-se a si mesmo” (Fl 2.7). Ele afirmou, com mais do que letras, que servir era um emblema da verdadeira grandeza. E, numa toada profundamente revolucionária, em contra tendência, com um mundo onde a humildade era desprezada, e o amor era um sinal de fraqueza, Jesus remata este momento desafiando os apóstolos com um último mandamento: “Que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei a vós” (Jo 13.34).

Hoje, tal como então, a mesa da Ceia do Senhor é o símbolo primário de encontro cristão, representando hospitalidade, inclusão, generosidade e graça. Reconhecendo a presença de Jesus na mesa da Ceia, na Igreja, estamos prontos para reconhecer a sua presença no mundo, em especial na nossa mesa, pois a mesa formal do Senhor só acontece na igreja, mas essa mesa expande-se a partir daí para a nossa vizinhança e comunidade e acontece todas as vezes que partilhamos uma refeição com outros e clamamos pela presença fiel de Jesus. Quando o fazemos, convidando descrentes para a nossa mesa, abrindo espaço para que Jesus se revele e transforme vidas e corações, somos chamados a imitá-lo, mostrando humildade genuína no trato para com os nossos convidados, procurando servi-los, sem qualquer limite ou hesitação, amando-os com o amor do Senhor e, deste modo, mostrando não a nós, mas ao Senhor Jesus. Se o fizermos, tal como naquela Ceia, Jesus se fará presente e agirá, usando-nos para mostrar através da mesa a sua graça infindável.

António Bento