A Graça de Deus para
com o homem é dos atributos mais maravilhosos que podemos encontrar no
Evangelho. É a Graça que nos permite a reconciliação com Deus. O homem está
naturalmente longe de Deus e não há nada em seu poder que possa alterar isso.
Estaríamos irremediavelmente condenados à separação do Criador se dependêssemos
nos nossos méritos. O movimento de Deus em direção ao homem, salvando-o e
relacionando-se com ele só é possível por causa da Sua Graça.
A Graça leva Deus a
oferecer-nos uma salvação e um reconciliação que não foi conquistada por
nós, mas pelo Senhor Jesus Cristo, e porque é de graça que estamos a falar,
esta oferta não pode ser paga nem nós de alguma forma poderemos
conquistá-la, apenas recebê-la como oferta gratuita.
Conseguimos perceber,
portanto, a importância de Deus ser um Deus gracioso no que toca à nossa
salvação.
A minha intenção com esta
série de artigos é evidenciar que esta graça estava evidente na vida e
ministério de Jesus e perceber que implicações tem isto para os Seus
seguidores, ou seja, a Igreja.
Uma boa forma de
começar é ver um texto que nos relata que, desde pequeno, a graça de Deus
estava sobre Jesus.
O texto de Lucas 2:36-40
relata o episódio de quando Jesus se foi apresentar no Templo. Isto acontecia
aos 12 anos de idade, e de acordo com a Lei, José e Maria levam o seu filho
para o Templo.
Ao lermos no texto que
“o menino crescia...” percebemos que este é um dos estágios de
desenvolvimento que os Judeus tinham para falar de um menino que já não é
criança.[1]
Jesus não era jovem ainda e já não era criança.
Outro aspecto importante
de realçar neste texto é que não é Jesus que diz isto de si mesmo, mas o
narrador do Evangelho que o caracteriza desta forma. O crescimento de Jesus era
evidente a todos os que o rodeavam.
Mas de que forma é que
Ele crescia? Não se tratava apenas de um crescimento físico, de força, mas
de carácter. Em relação ao crescimento físico, lemos que ele se fortalecia.
Tendo o verbo crescer no início da frase a ideia é que em todas as áreas
seguintes o crescimento era evidente. Jesus crescia e tornava-se forte, mas Ele
também crescia em sabedoria.
No caso da Graça que
nos fala o final do versículo, o que temos é diferente. O texto não fala num
crescimento na Graça, antes, a Graça estava sobre ele, não há crescimento,
simplesmente está lá. É o verbo ἦν
que tem o significado de ser, estar, que temos no grego do texto. Se é verdade
que havia crescimento físico e de carácter no jovem Jesus, a graça de Deus
não era um aspecto que estava em crescimento, pura e simplesmente estava sobre
Ele. Graça, neste sentido, significa favor de Deus. Deus estava com o Seu
Filho. É fácil perceber dois aspectos desta expressão.
Em primeiro lugar, A
graça que Jesus tinha não era sua propriamente, mas era a graça de Deus que
o acompanhava e que demonstrava a Sua unicidade com Deus. Segundo Mathew Henry,
este aspeto marcava uma diferença tremenda entre Jesus e todas as outras
crianças.[2]
Em segundo lugar, é
esta graça que depois, no Seu ministério, Jesus evidenciará tão claramente
com todos os que se relacionarem com Ele. A graça de Deus que estava sobre
Ele, é a graça com que Ele se relacionará com o homem.
Segundo alguns autores,
há uma relação entre este texto e Isaías 11:1-3. Sendo assim, a graça ou
favor de Deus refere-se também à Sua presença efetiva na vida de Jesus
através do Seu Espírito.[3]
O que é interessante é que em Isaías, nos versículos posteriores, lemos o
que engloba este Espírito. É com facilidade que podemos perceber que esta
descrição de Isaías retrata bem o que é a Graça de Deus para com o homem.
Creio que é demais dizer que quando Lucas escreveu este trecho se estava a
referir a Isaías, mas também é evidente que existe uma relação entre ambos
os textos. Jesus cumpriu cabalmente a profecia de Isaías 11.
Ismael Couto
[1] Vincent, M. R.
Word studies in the New Testament. Vol. 1. New York: Charles
Scribner’s Sons, 1887, p. 277.
[2] Henry, M. Matthew Henry’s commentary on the whole Bible: complete and unabridged in one
volume (p. 1831). Peabody: Hendrickson, 1994.
[3] BEALE, G.K., CARSON, D.
A. Ed., Commentary on the New Testament use of the Old Testament, Michigan,
Baker Academic, 2007.