quarta-feira, 27 de junho de 2018

O Reino de Deus e o Shemá Israel. Mc 12:28-34 - Mário Conrado

Quando olho para o texto bíblico de Marcos 12:28-34, é interessante ver um doutor da lei a querer avaliar a Jesus, quando está a ser avaliado por Jesus. O doutor da lei, reconheceu a capacidade de resposta de Jesus, e por isso entra em cena, para testar o Mestre, mas é confrontado em ter de participar da resposta, levando Jesus a reconhecer a capacidade também desse doutor. Ao reconhecer em que se resume o grande mandamento ele, doutor, abre a porta do Reinos dos céus.

Assim, queremos com este estudo perceber a importância não apenas de conhecer, como também de viver o Shemá Israel, seja no tempo de Jesus, mas também nos nossos dias. Depois desta parte introdutória, iremos conhecer primeiro o Shemá Israel no seu contexto primário (Deuteronómio 6); depois iremos perceber como se torna pessoal em Jesus, analisando até as expressões chave, e o paralelismo com Mateus e Lucas; por fim iremos apresentar o Shemá Israel nos nossos dias, tendo até como exemplo máximo, a parábola do bom samaritano em Lucas 10.

Jesus sabia que o queriam apanhar em falso em algo referente a Torah. Por outro lado Ele sabia que o grande problema era passar do escrito para o vivido de coração e não de forma ritualística como acontecia com os fariseus e saduceus. Jesus sabia que a visão judaica de amor a Deus e também ao próximo, parecia estar limitada aos mais religiosos e também aos membros do próprio povo.[1] Mas o problema não estava no texto, mas na forma como viam o texto, como o próprio Jesus irá comprovar.

Mas comecemos pelo princípio. O que é o Shemá Israel? A palavra Shemá é a primeira palavra do discurso (Deuteronómio 6:4-9) e que é um verbo no Imperativo que significa: “ouve”. É um mandamento para que o povo ouça e atente, para o seguinte:

4. Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor.
5. Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força.
6. Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração;
7. tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te.
8. Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos.
9. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas. 

Ora esta era uma oração que era feita, repetida diariamente, de manhã, e depois do sol se pôr. Segundo McKnight, para os judeus, esta é a expressão máxima “da fé e do compromisso mais fundamental do judaísmo”.[2] Israel deve aprender, memorizando, recitando, copiando, que o Deus de Israel é o único Deus e apenas Ele deve ser adorado e amado. Este amor é chave e como tal, Jesus vai mais longe, incluindo neste amor a Deus, também o amor ao próximo que já era referido em Levítico 19:18.

Então como deve ser sentido e vivido este amor, segundo o Shemá? De todo o coração, alma e forças. Na forma de pensar do hebreu, o coração (lëbhäb) é o centro do ser humano. É o seu ser interior total, o que inclui as emoções, mas também o pensar, a compreensão e a vontade. Torna-se o termo mais rico das Escrituras, acerca da totalidade do homem, na sua natureza imaterial.[3] Já, alma (nephesh), estamos a falar da fonte da vida. É o sopro de Deus na criação; a fonte de vida e de ser vivente. Por fim, força (me‘od), é uma palavra que pode ser traduzida também como abundantemente ou extremamente. Ou seja o amor ultrapassa barreiras. 

Ora como iremos ver, há que perceber que Jesus aplica a forma e essência do amor a Deus (coração, alma e força), também ao próximo. Isto porque o amor é central na ideia de Jesus de Reino dos céus. O amor a Deus e ao próximo são essenciais. Como acrescenta McKnight, “o amor, um termo quase indefinível, é incondicional para uma pessoa que incita e modela comportamentos a fim de ajudá-la a tornar-se o que Deus deseja. O amor, quando funciona adequadamente, é tanto emoção quanto vontade; afeto e ação.”[4]

No próximo estudo iremos então analisar a vivência do povo judeu em relação ao Shemá.

Até lá, lembra-te de que o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Por isso ama-O, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força.

Mário Conrado




[1] Wolfgang Stegemann. Jesus e seu Tempo. São Leopoldo: Sinodal, 2012, p. 371.
[2] Scot McKnight. O Credo de Jesus. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2009, p. 22.
[3] Bowling, A. (1999). 1071 לָבַב. R. L. Harris, G. L. Archer Jr., & B. K. Waltke (Eds.), Theological Wordbook of the Old Testament (electronic ed., p. 466). Chicago: Moody Press. Em Logos Bible Software.
[4] O Credo de Jesus, p. 23.