domingo, 12 de agosto de 2018

Shemá é amar a Deus de forma total e incondicional - Mário Conrado

Cresci sendo ensinado pelo meu avô que o amor é a regra de ouro em qualquer situação. No falar, o amor torna as palavras doces e encorajadoras; no agir, o amor levanta o braço para ajudar e abraçar; no silêncio, empresta o ombro e permanece junto. E vi isso não apenas nas suas palavras, como no seu agir comigo e com outros.

Quando olho para o texto bíblico em Marcos 12:28-34, percebo que este amor é central na resposta de Jesus. A pergunta tem a ver com o mais importante de todos os mandamentos. O que é interessante é que Jesus responde dizendo, “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento e de toda a tua força.” (Mc. 12.30). É interessante que a forma da pergunta feita pelo Escriba ou Doutor da Lei a Jesus nos evangelhos de Mateus e Lucas, parece ser feita de forma mais hostil, desejando apanhar Jesus em falso; já em Marcos, mesmo vindo após ter visto como Jesus respondera bem, parece ser uma pergunta para discussão, mas procurando enfatizar a resposta, mais do que a pessoa. Aliás, ele próprio depois elogia concordando com a resposta de Jesus, ao ponto de considerar que este amor é mais importante que as cerimónias no templo. Beale acrescenta que “o surpreendente comentário acrescentado pelo escriba deixa transparecer essa preocupação na referência ao importante tema bíblico de que o genuíno e sincero amor pelo único Deus verdadeiro (cf. Dt 4.35) e o amor ao próximo estão muito acima de qualquer quantidade de sacrifícios É possível que essa ideia esteja subentendida na convicção da comunidade de Qumran de que esse comportamento faria melhor expiação pelo pecado do que os holocaustos e sacrifícios, mediante sua perfeita concretização da vontade divina.”[1] Daí que mais tarde, Paulo diria que qualquer coisa por melhor que seja feita, sem amor, de nada vale. O amor é que valoriza e dá sabor, seja à verdade, aos dons, e mesmo à entrega da vida (1Cor. 13). O amor não é mais uma das virtudes, mas é a virtude que cria o espaço necessário onde todas as virtudes podem assim brilhar.[2]

Mas porquê então amar a Deus?

Em primeiro lugar, devemos amar a Deus, pois Deus é amor. Desde a criação, à nova criação em Jesus, é visível esse grande amor de Deus. Deus agradou-se do que fez, e apesar de o homem ter pecado, Ele não acabou com tudo para começar do zero. Porque Ele amou o auge da sua criação – homem e mulher. E logo traçou um plano redentor, fazendo uma aliança com ele. Nessa aliança Ele prometeu estar sempre presente. Ele é connosco. Ele é o Emanuel encarnado. Este princípio da presença divina é o completar da aliança amorosa de Deus, pois Jesus habitou entre o Seu povo, e assim será eternamente nos novos céus e nova terra. E essa aliança mostrou a direção do amor deste Deus – é para com o seu povo, para com aqueles que são chamados seus filhos. Tornam-se assim o tesouro precioso deste Deus. Como nos lembra McKnight[3], Deus libertou Israel das garras do faraó para levá-los à Torah para viverem na terra prometida, e Deus salva Israel e a igreja a fim de tornar o seu povo, santo, amoroso e puro. Foi este Seu amor que contribuiu em tudo isto.

Então como amar a um Deus que é amor?

Jesus respondeu: com todo o teu coração, a tua alma, o teu entendimento e a tua força. O coração é a base da vida espiritual e do ser interior, entre outras coisas. Alma refere-se à própria vida, embora muitas vezes com inferência a sentimentos, emoções e desejos. Já entendimento, refere-se à compreensão e inteligência e na LXX frequentemente traduz a palavra hebraica (lebh), ‘coração’. Por fim, força, tem a ver com a capacidade de uma pessoa, ou seu poder, ou a capacidade de agir.[4]

Jesus queria demonstrar, que no seu todo, o homem deve amar a Deus, seja emocionalmente, em palavras e actos. Marcos parece acrescentar ‘entendimento’, em relação à Shemá em Deuteronómio 6, talvez com o propósito, de num contexto helenista, poder se entender o que Jesus queria lembrar. É que os gregos faziam uma clara dicotomia entre coração (emoções) e entendimento (razão), ao contrário dos judeus, em que todo o ser interior é coração.

Assim se deve amar a Deus, de forma total e incondicional, pois a essência da vida é o amor, a Deus e ao próximo. E isto é de tal forma importante, e não para amanhã, mas para agora, que Rick Warren diz: “A vida sem amor realmente não tem nenhum valor. (…) A melhor utilidade que se pode dar à vida é amar. A melhor expressão do amor é o tempo. O melhor momento para amar é agora.”

Esta resposta de Jesus declara que Deus é o único Deus, e que deve ser amado com todo o nosso ser: coração, alma, entendimento e força. Mas ninguém pode amar a Deus de forma isolada dos nossos outros relacionamentos na vida. Por essa razão, Jesus une o mandamento de amar a Deus com o mandamento de amar o próximo como a si mesmo. E isto iremos ver no próximo artigo. Até lá lembra-te do amor de Deus…

Mário Conrado



[1] Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 274.
[2] Scot McKnight. Kingdom Conspiracy. Grand Rapids: Brazos Press, 2014, p. 168.
[3] Ibid, p. 169.
[4] Evans, C. A. (2001). Mark 8:27–16:20 (Vol. 34B, pp. 263–264). Dallas: Word, Incorporated. Em Logos Bible Software.