sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Shemá é também amar o próximo - Mário Conrado

Ninguém pode amar a Deus de forma isolada dos nossos outros relacionamentos na vida. Por essa razão, Jesus une o mandamento de amar a Deus com o mandamento de amar o próximo como a si mesmo.

Vivemos uma época em que as pessoas centram o seu acto religioso num momento no tempo e no espaço, um culto, procurando assim mostrar o seu amor a Deus, e depois esquecem-se de dar aquele abraço, de ajudar a levantar o caído, de perdoar aquele que o magoou, de ajudar o necessitado. Jesus bem demonstrou que é no amor com que nos amamos uns aos outros que se torna visível que somos discípulos d’Ele. Outro dia, lembrando o texto de João 13, distribui por cada pessoa na igreja uma toalhita dodot, procurando ver qual a reação das pessoas. Todas elas, limparam as suas mãos, mas esqueceram-se da pessoa ao seu lado. Continuamos a viver um cristianismo tão egoísta.

Por isso Jesus assim acrescentou ao Shemá, este versículo de Levítico 19.18, “mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o SENHOR”, tornando-o assim parte do mesmo. O Mestre sabia que precisávamos de compreender que o amor a Deus torna-se visível no amar ao próximo.

O texto de Levítico é parte de um texto maior de renovação da aliança. Aqui é exposto os fundamentos do viver, seja a nível espiritual, seja a nível social – deve-se respeitar os pais, cuidar dos pobres, proteger os bens, preocupar-se e ajudar os necessitados ou pobres, buscar a justiça para todos, não usando de vingança, mas tratando a todos, israelitas ou estrangeiros de igual modo. Para os judeus, este mandamento de amar o próximo tornou-se parte deste vínculo com o amar a Deus. De tal forma assim aconteceu que no pensamento do próprio Filo, “amar somente a Deus ou apenas os seres humanos é apresentar apenas meia virtude.”[1] Beale acrescenta ainda que Seder Eliyahu Rabá, “interpreta Deuteronômio 6.5 com discernimento ao afirmar que Israel deve ‘fazer com que [Yahweh] seja amado’ (pela humanidade) por causa da postura de amor do povo para com os outros na vida”.[2]

Desta forma Jesus traz ao de cima a importância do amor ao próximo, numa época em que muitas vezes os judeus procuravam fazer distinção com os gentios, pois estavam debaixo do jugo deles. O amor não pode ser duma maneira para uns e doutra maneira para outros, não importa quem sejam. Se temos o compromisso de amar a Deus, esse compromisso deve ser expresso em toda a nossa conduta e também nos nossos relacionamentos. Aqueles que não demonstram amor pelos outros dificilmente podem alegar amar a Deus. Lembremo-nos de que o próprio Jesus que lembrou este mandamento, demonstrou-o na cruz, ao clamar pelo perdão daqueles que ali estavam. Aliás, tal foi necessário, comprovando o amor de Jesus por toda a humanidade.

Assim o amar a Deus, não é de uma via só. Amamos a Deus pois Ele nos amou primeiro. Assim também devemos viver esse amor uns para com os outros. Jesus colocou o amor por Deus no centro, no coração da lei; o amor pelo próximo deve e vai surgir naturalmente disso como consequência. Mas se tentarmos colocar o amor ao próximo em primeiro lugar ou, pior ainda, deixar de lado o amor a Deus, afundaremos as nossas vidas e deixaremos de amar o nosso próximo como deveríamos. Por outro lado, se dizemos que amamos a Deus e não amamos o nosso próximo, somos hipócritas (1João 4:20).[3]

Assim, como refere Scot McKnight, “amar é a resposta humana ao próximo à luz do amor santo do Abba e no amor santo que sentimos pelo Abba”.[4] 

Por isso devemos amar o próximo, como o próprio escriba, percebeu e compreendeu. Mas como poderemos fazê-lo, sem ser apenas de língua ou conversa? Veremos no próximo e último capítulo… até lá, não se esqueça de amar aqueles que Deus tem colocado à sua volta, ajudando, intercedendo, e porque não também com um sorriso e um abraço!

Mário Conrado




[1] BEALE, G.K. e CARSON, D.A. Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 273.
[2] Ibidem
[3] COLE, R. A. (1994). Mark. In D. A. Carson, R. T. France, J. A. Motyer, & G. J. Wenham (Eds.), New Bible commentary: 21st century edition (4th ed., p. 969). Leicester, England; Downers Grove, IL: Inter-Varsity Press. Em Logos Bible Software.
[4] MCKNIGHT, Scot. O Credo de Jesus. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2009, p. 62.