terça-feira, 18 de setembro de 2018

Compaixão e Generosidade - António Bento

Cinco refeições, duas curas e muita provisão, assim Jesus nos conduz com um guião natural, mas que se move sempre à volta do sobrenatural. Leva-nos primeiro para uma boda (Jo 2.1-12), onde se acaba a bebida principal. Aflita, a mãe de Jesus, o intimou. Ele, imbuído de generosidade, ordena que venha a água da purificação e a transforma num vinho passível do melhor prémio. A sua presença compassiva transfigurou a cena, transformando o que antes era inadequado em algo suficiente para prover mesmo as necessidades dos mais exigentes. Liberdade e alegria ocupavam agora o lugar do que antes era consternação.

Em duas mesas improvisadas Jesus alimenta duas multidões esfomeadas com um cardápio que nada de especial aparentava, pães e peixes, mas na verdade algo de tremendo estava por trás de tão humilde refeição. Na primeira vez, Jesus embora retirado num deserto perto de Betsaida (Lc 9.7-22), entre judeus, não conseguiu deixar de receber a multidão que sofregamente o buscava, e tomado de compaixão, falava-lhes do Seu Reino e a todos curava sem discriminação. Mas quando chegou a hora em que a fome apertou, a humanidade desceu sobre o coração dos seus discípulos, que queriam que despedisse a multidão, para que procurassem a sua própria provisão. Mas Jesus, movido de compaixão, ao invés, decide alimentar a multidão. Enfatizando a inaptidão dos discípulos para providenciar fosse o que fosse, revelou que Ele mesmo é o Deus de toda a provisão, multiplicando pães e peixes, fornecendo o primeiro maná provindo do céu desde a longínqua travessia do deserto, e antecipando o banquete messiânico prometido. E assim se revelou sobrenaturalmente como o Deus de toda a compaixão e provisão. Mas drama dos dramas, nem os seus discípulos o parecem ter entendido. 

Pouco depois, noutra mesa inventada, num monte com vista para o mar da Galileia (Mt 15.29-39), desta vez principalmente entre gentios, o argumento parece repetir-se, como se de um replay se tratasse. Incrédulos os discípulos voltaram a perguntar onde iriam arranjar alimentos para tão grande multidão e, compassivamente, uma outra vez Jesus multiplica o que era pouco, para que os muitos fossem amorosamente saciados. Esta repetição não é, contudo, inócua. Se a alimentação dos cinco mil, em território judaico, era um vislumbre do banquete messiânico, o banquete dos quatro mil, em território gentílico, garantia que os gentios também partilhariam da bênção suprema prometida ao povo de Israel.

À mesa de um importante fariseu (Lc 14.1-14), perante o escrutínio rigoroso da “casta perfeita”, Jesus não se deixou intimidar e, impelido por profunda compaixão, atropelou as leis do sábado para atender as aflições de um hidrópico. Cura era o que ele precisava e cura foi o que ele recebeu. Às regras farisaicas, vazias de amor, Jesus sobrenaturalmente respondeu, mostrando que para Deus o homem vale mais do que o sábado. E num golpe de génio, aproveita a ocasião para admoestar rigorosamente os convidados a que quando convidassem pessoas para jantar em casa, não convidassem os amigos, ou irmãos, ou parentes, ou os vizinhos ricos, para que não fosse ocorrer que recebem a recompensa da retribuição, mas ao invés, que convidassem os pobres, cegos e aleijados, que não poderiam jamais retribuir. A recompensa, essa viria na ressurreição. E mostra, pois, que a sua mesa está fundamentada numa ética de graça, em contraposição com uma lógica de reciprocidade.

Na última mesa, em casa de simão o “Leproso”, algo de surpreendente acontece, aquele que era o Senhor de toda a compaixão e generosidade é aqui o alvo da compaixão e generosidade de uma humilde mulher (Mt 26.6-13). Esta irrompe pela casa e, sem qualquer convite, derrama sobre a cabeça de Jesus um perfume de muito valor, pressagiando a sua morte como Messias prometido. As críticas, dos próprios discípulos, vieram em coro, lamentando o tremendo desperdício, obrigando Jesus a salientar o valor inestimável daquele ato de profunda caridade e a aproveitar para lhes expor que sempre devem ter como foco a assistência amorosa e compassiva para com todos os necessitados.

À mesa, Jesus nos mostra que, tal como Ele, devemos ter compaixão e generosidade para com os perdidos que nos rodeiam. Ele nos instiga a convidá-los para a mesa, onde Ele pode trazer cura e provisão para as suas vidas exauridas. Ele é o Messias da mesa aberta, que nos convida a ser a sua extensão no mundo, amando de forma prática os descrentes à nossa volta, materializando fisicamente a alegria messiânica que quer encher a suas existências do gozo e paz de Deus. 

António Bento