segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Shemá é o Reino de Deus hoje - Mário Conrado

Chegando ao fim desta série de estudos sobre o Shemá Israel, e tendo já percebido pelo contexto de Jesus, que devemos amar a Deus, com tudo o que somos e temos, e também ao próximo, surge então a questão - Mas como poderemos fazê-lo, sem ser apenas de língua ou conversa?

É interessante percebermos que a resposta encontra-se desenvolvida no Evangelho de Lucas, em que o intérprete da lei, após reconhecer este Shemá, pergunta a Jesus: “Quem é o meu próximo?” (Lucas 10:29). Jesus já tinha demonstrado aos seus discípulos a importância deste Shemá, em que deviam amar uns aos outros, demonstrando o Seu amor a todas as pessoas. Agora Ele apresenta uma parábola, para comprovar a importância deste amor, que deve ser prático – a parábola do Bom Samaritano. Não é nosso propósito analisar completamente e a fundo esta parábola, mas trazer a essência dela para compreendermos como hoje poderemos viver este Shemá.

Ainda assim ao olharmos para a parábola do Bom Samaritano, antes de avaliarmos logo pela negativa, temos de entender que o sacerdote e levita, cumprem a lei, ao afastarem-se do corpo, pois lhes parecia estar morto. É que segundo a Lei, sendo o cadáver impuro, contamina quem dele se aproxima. Logo eles se afastaram. Como diz McKnight, “Se chegar perto o bastante de um cadáver, a ponto de projetar a sombra sobre o corpo, a pessoa que projeta a sombra torna-se impura.”[1] Eles simplesmente obedeceram. Aliás, acrescenta ainda, “não existe um judeu que ouça a parábola de Jesus e pense que o sacerdote (ou o levita) esteja fazendo algo contrário ao que rege a Torá. A ironia da pequena trama é que, ao «obedecer» à Lei, o sacerdote e o levita estão desobedecendo à essência da Torá: amar o próximo.”[2] Porque nem sequer se aproximaram, temendo a letra da lei, falharam em demonstrar a essência da lei, compaixão, por aquele homem moribundo. Logo aquele samaritano, que normalmente era sinónimo de persona non grata para o judeu, tornou-se verdadeiramente o próximo que cumpriu e demonstrou compaixão por aquele desconhecido judeu.

Então como devemos nós fazer hoje? Amar o próximo! Como?

1. O amor começa por vislumbrar/entender as necessidades dos que nos rodeiam.

Próximo não tem a ver com proximidade geográfica ou familiar. Ainda que a palavra no grego tenha a ideia de comunidade ou comunhão, próximo é aquele que, surgindo no nosso radar, demonstra ou apresenta necessidades, na quais podemos ajudar, nem que seja simplesmente estar com. Então como temos vivido nós? Se calhar continuamos também, no meio da nossa religiosidade a olhar para o lado, distraídos ou fingindo que nada tem a ver connosco, em vez de amarmos. Lembra-te, “não somos chamados ao amor pela lei, mas à Lei de amor.”[3]  Temos de estar alerta às necessidades que nos rodeiam, e tal como Pedro e João diante do coxo de nascença (Actos 3), darmos daquilo que temos – o amor de Jesus Cristo. Pode ser uma palavra, um abraço, o socorro necessário, o alimento para o momento, um ombro para apoiar, um ouvido para escutar, uma exortação, etc. É na forma como vivenciamos este amor, que se torna visível, Cristo em nós.

2. O amor vivencia-se em qualquer circunstância.

Em segundo lugar, a compaixão pode ter que ser demonstrada quando menos esperamos. Devemos estar sempre disponíveis para agir em amor. “Na Parábola do Bom Samaritano, Jesus está convocando os seus ouvintes a agirem com compaixão a qualquer hora – e em qualquer lugar – em que surgir alguma necessidade. Era comum viajar de Jerusalém para Jericó. Todavia, não era normal contaminar-se a fim de demonstrar compaixão. No entanto, também não é normal encontrar um homem à beira da morte. Aquilo de que o sacerdote e o levita conseguem desviar-se (um cadáver impuro) é uma pessoa a quem o samaritano consegue achegar-se com compaixão.”[4] Assim também nós que vivemos esta lei do amor, devemos estar sempre prontos para em qualquer eventualidade, demonstrarmos compaixão.

Sei que não parece nada fácil, principalmente quando envolve alguém que não conhecemos ou até de quem até parece não gostarmos. Por isso J. Nolland utiliza uma expressão interessante quanto ao amar o próximo: “To love the neighbor as oneself does not mean to love the other as much as you love yourself, but it does mean to love the neighbor in the way you would love yourself.”[5] Segundo ele, não tem a ver com a quantidade de amor com que amas, mas com a forma como amas. Por isso Jesus apresenta na parábola, um samaritano. É o como…

Concluindo, o amor é para hoje. Como diz Stegemman, quanto a esta parábola, “o samaritano ajuda porque leva em consideração o apelo que emana da pessoa nua, desfigurada e destituída da sua dignidade e se sente responsável por ela. A narrativa bíblica não descreve nenhum comportamento que formule uma ética inovadora. Novo é só que a solidariedade humana fundamental, descrita nesse exemplo, é vinculada ao mandamento do amor ao próximo.”[6] Este amor aqui demonstrado é a voz do Reino de Deus neste mundo. O Shemá é vivo e actual, embora em muitas vidas e igrejas assim o não pareça. Como reconhece Morris, “viver no amor, é viver a vida no reino de Deus.”[7] Se amamos a Deus, logicamente amamos o próximo. Como diz Francis Schaeffer, “O amor – e a unidade que ele declara – é o manifesto que Cristo deu para os cristãos exibirem perante o mundo. Que o mundo saiba, tão-somente com este manifesto, que os cristãos são realmente cristãos e que Jesus foi enviado pelo Pai”.[8]

Jesus não trás nada de novo, mas realça a importância deste amor, e como ele deve ser pratico, vivenciado e não algo teórico. Assim temos de viver hoje. Como tens lidado com as necessidades à tua volta? Foges pois nãos tens ‘tempo’, ou mostras compaixão? Como mostra o Shemá, se amo a Deus, amo o meu próximo.

Mário Conrado


[1] O Credo de Jesus. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2009, p. 58.
[2] Ibidem.
[3] Ibid, p. 59.
[4] Ibid, p. 61.
[5] Nolland, J. (1998). Luke 9:21–18:34 (Vol. 35B, p. 585). Dallas: Word, Incorporated. Em Logos Bible Software.
[6] Jesus e seu Tempo. São Leopoldo: Sinodal, 2012, p. 379.
[7] Lucas: Introdução e Comentário. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 178.
[8] O Credo de Jesus. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2009, p. 62.