Chegando ao fim desta
série de estudos sobre o Shemá Israel, e tendo já percebido pelo contexto de
Jesus, que devemos amar a Deus, com tudo o que somos e temos, e também ao
próximo, surge então a questão - Mas como poderemos fazê-lo, sem ser apenas de
língua ou conversa?
É interessante
percebermos que a resposta encontra-se desenvolvida no Evangelho de Lucas, em
que o intérprete da lei, após reconhecer este Shemá, pergunta a Jesus: “Quem é
o meu próximo?” (Lucas 10:29). Jesus já tinha demonstrado aos seus discípulos a
importância deste Shemá, em que deviam amar uns aos outros, demonstrando o Seu
amor a todas as pessoas. Agora Ele apresenta uma parábola, para comprovar a
importância deste amor, que deve ser prático – a parábola do Bom Samaritano.
Não é nosso propósito analisar completamente e a fundo esta parábola, mas
trazer a essência dela para compreendermos como hoje poderemos viver este
Shemá.
Ainda assim ao olharmos
para a parábola do Bom Samaritano, antes de avaliarmos logo pela negativa,
temos de entender que o sacerdote e levita, cumprem a lei, ao afastarem-se do
corpo, pois lhes parecia estar morto. É que segundo a Lei, sendo o cadáver
impuro, contamina quem dele se aproxima. Logo eles se afastaram. Como diz
McKnight, “Se chegar perto o bastante de um cadáver, a ponto de projetar a
sombra sobre o corpo, a pessoa que projeta a sombra torna-se impura.”[1]
Eles simplesmente obedeceram. Aliás, acrescenta ainda, “não existe um judeu que
ouça a parábola de Jesus e pense que o sacerdote (ou o levita) esteja fazendo
algo contrário ao que rege a Torá. A ironia da pequena trama é que, ao
«obedecer» à Lei, o sacerdote e o levita estão desobedecendo à essência da Torá:
amar o próximo.”[2] Porque nem sequer se aproximaram, temendo a
letra da lei, falharam em demonstrar a essência da lei, compaixão, por aquele
homem moribundo. Logo aquele samaritano, que normalmente era sinónimo de
persona non grata para o judeu, tornou-se verdadeiramente o próximo que cumpriu
e demonstrou compaixão por aquele desconhecido judeu.
Então como devemos nós
fazer hoje? Amar o próximo! Como?
1. O amor começa por
vislumbrar/entender as necessidades dos que nos rodeiam.
Próximo não tem a ver
com proximidade geográfica ou familiar. Ainda que a palavra no grego tenha a
ideia de comunidade ou comunhão, próximo é aquele que, surgindo no nosso radar,
demonstra ou apresenta necessidades, na quais podemos ajudar, nem que seja
simplesmente estar com. Então como temos vivido nós? Se calhar continuamos
também, no meio da nossa religiosidade a olhar para o lado, distraídos ou
fingindo que nada tem a ver connosco, em vez de amarmos. Lembra-te, “não somos
chamados ao amor pela lei, mas à Lei de amor.”[3] Temos de estar alerta às necessidades que nos
rodeiam, e tal como Pedro e João diante do coxo de nascença (Actos 3), darmos
daquilo que temos – o amor de Jesus Cristo. Pode ser uma palavra, um abraço, o
socorro necessário, o alimento para o momento, um ombro para apoiar, um ouvido
para escutar, uma exortação, etc. É na forma como vivenciamos este amor, que se
torna visível, Cristo em nós.
2. O amor vivencia-se em
qualquer circunstância.
Em segundo lugar, a
compaixão pode ter que ser demonstrada quando menos esperamos. Devemos estar
sempre disponíveis para agir em amor. “Na Parábola do Bom Samaritano, Jesus
está convocando os seus ouvintes a agirem com compaixão a qualquer hora – e em
qualquer lugar – em que surgir alguma necessidade. Era comum viajar de Jerusalém
para Jericó. Todavia, não era normal contaminar-se a fim de demonstrar
compaixão. No entanto, também não é normal encontrar um homem à beira da morte.
Aquilo de que o sacerdote e o levita conseguem desviar-se (um cadáver impuro) é
uma pessoa a quem o samaritano consegue achegar-se com compaixão.”[4]
Assim também nós que vivemos esta lei do amor, devemos estar sempre prontos
para em qualquer eventualidade, demonstrarmos compaixão.
Sei que não parece nada
fácil, principalmente quando envolve alguém que não conhecemos ou até de quem
até parece não gostarmos. Por isso J. Nolland utiliza uma expressão
interessante quanto ao amar o próximo: “To love the neighbor as oneself does
not mean to love the other as much as you love yourself, but it does mean to
love the neighbor in the way you would love yourself.”[5]
Segundo ele, não tem a ver com a quantidade de amor com que amas, mas com a
forma como amas. Por isso Jesus apresenta na parábola, um samaritano. É o como…
Concluindo, o amor é
para hoje. Como diz Stegemman, quanto a esta parábola, “o samaritano ajuda
porque leva em consideração o apelo que emana da pessoa nua, desfigurada e
destituída da sua dignidade e se sente responsável por ela. A narrativa bíblica
não descreve nenhum comportamento que formule uma ética inovadora. Novo é só
que a solidariedade humana fundamental, descrita nesse exemplo, é vinculada ao
mandamento do amor ao próximo.”[6]
Este amor aqui demonstrado é a voz do Reino de Deus neste mundo. O Shemá é vivo
e actual, embora em muitas vidas e igrejas assim o não pareça. Como reconhece
Morris, “viver no amor, é viver a vida no reino de Deus.”[7]
Se amamos a Deus, logicamente amamos o próximo. Como diz Francis Schaeffer, “O
amor – e a unidade que ele declara – é o manifesto que Cristo deu para os
cristãos exibirem perante o mundo. Que o mundo saiba, tão-somente com este
manifesto, que os cristãos são realmente cristãos e que Jesus foi enviado pelo
Pai”.[8]
Jesus não trás nada de
novo, mas realça a importância deste amor, e como ele deve ser pratico,
vivenciado e não algo teórico. Assim temos de viver hoje. Como tens lidado com
as necessidades à tua volta? Foges pois nãos tens ‘tempo’, ou mostras
compaixão? Como mostra o Shemá, se amo a Deus, amo o meu próximo.
Mário Conrado
[5] Nolland, J. (1998). Luke
9:21–18:34 (Vol. 35B, p. 585). Dallas: Word, Incorporated. Em
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